OBESIDADE NA CRIANÇA E NO ADOLESCENTE
Factores Psicológicos
Sónia Pereira*
Quais as características desta Perturbação?
A obesidade é um problema de saúde que afecta uma grande parte da população mundial. A obesidade tem uma prevalência extremamente elevada e é um dos maiores problemas de saúde das sociedades modernas civilizadas. Alguns estudos mostram que a incidência e prevalência da obesidade nas crianças e adolescentes tem aumentado significativamente. O impacto psicológico que a obesidade tem nestas faixas etárias pode ser determinante para o aparecimento de perturbações que podem afectar estes indivíduos durante toda a sua vida.
A obesidade está associada a inúmeras complicações físicas, tais como diabetes tipo II, neoplasias, hipertensão, disfunções do sistema circulatório, hiperlipidemia e doenças da vesícula. Mas os efeitos nefastos da obesidade não se limitam apenas a problemas médicos. Os jovens obesos vivem em permanente sofrimento psicológico, o que é atestado por sinais como o fraco rendimento escolar ou mesmo pelas perturbações do controlo de esfíncteres (fazer xixi na cama). A obesidade impede as crianças e os adolescentes de participar nas mesmas actividades dos seus colegas, não só porque por vezes são incapazes de as realizar (como no futebol ou no atletismo), mas também porque são frequentemente ridicularizados (na praia, nos balneários, na piscina, no ginásio ou nas festas). Estes jovens procuram isolar-se, considerando que o isolamento é a única forma de se afastarem do tipo de humilhações a que estão sujeitos. Desta forma, e afastados do grupo de pares, os jovens obesos perdem uma boa parte das experiências que estão associadas ao crescimento mental saudável da adolescência.
Os obesos são discriminados e sofrem frequentemente de falta de auto-confiança e de falta de auto-estima. Perturbações emocionais como a ansiedade ou a depressão aparecem frequentemente associadas à ingestão excessiva de alimentos. Alguns autores defendem também que os obesos são incapazes de identificar e reflectir sobre as suas próprias emoções, utilizando a comida como estratégia para ultrapassar os momentos mais difíceis. São incapazes de ter comportamentos assertivos, utilizando a comida como uma estratégia adaptativa para evitar a tomada de posição face aos outros.
Quando uma criança é obesa é provável que venha a tornar-se num adulto obeso. Os maiores factores de risco para o desenvolvimento da obesidade são essencialmente o excesso de peso na infância e a predisposição genética. A perda de peso na infância, com a aprendizagem e aquisição de hábitos saudáveis para toda a vida, pode contribuir para a prevenção da obesidade na idade adulta.
Como os pais podem ajudar?
Tratar a obesidade antes da idade adulta é extremamente importante, pois os hábitos e estilos de vida da criança e do jovem são mais fáceis de mudar do que os hábitos e estilos de vida do adulto. Além disso, os jovens sofrem mais a pressão da sociedade para que fiquem magros e a preocupação com o peso é maior, pois a gordura impede que os jovens se sintam integrados no seu grupo de pares. Os pais devem aproveitar esta oportunidade para investirem o mais cedo possível num tratamento.
Ajudar um obeso a perder peso é difícil e manter a perda de peso mais difícil ainda. Por esta razão, é importante que o tratamento tenha uma visão multidisciplinar, que combine a educação nutricional, a actividade física e também a avaliação e o trabalho de variáveis psicológicas associadas ao excesso de peso.
No tratamento multidisciplinar da obesidade devem ser trabalhados os seguintes aspectos:
- Promoção de Estilos de Vida Saudáveis: Hábitos Alimentares e Exercício Físico
A criança deve beneficiar de informação adequada sobre estilos de vida saudáveis. A família pode ajudar, incentivando a criança a ter mais contacto com os alimentos saudáveis, aprendendo por exemplo a fazer sopa ou a preparar pequenos snacks (com combinações de lacticínios, fruta fresca, pão integral, etc.) que possam substituir as habituais batatas fritas de pacote, os aperitivos de queijo ou os chocolates.
A criança também deve ser informada sobre os benefícios do exercício físico e deve ser motivada a iniciar uma actividade física. Sempre que não seja possível a escolha de uma actividade estruturada (como a natação, o futebol, etc.), sugerimos que a criança aumente os níveis de actividade não estruturada (sair do autocarro uma paragem antes do destino pretendido, subir pelas escadas e não pelo elevador, andar de bicicleta, jogar à bola com os amigos, dançar vigorosamente em casa como se estivesse numa discoteca).
- Utilização de Contratos e Regras
Alguns investigadores consideram que a criança se sente mais activa e responsável pelo seu tratamento se assinar um “contrato” onde se compromete a seguir as indicações que vão surgindo durante o tratamento. Pensa-se que esta estratégia pode contribuir para a diminuição do abandono precoce do tratamento, tão comum neste tipo de patologia. A existência de regras a cumprir de semana para semana também é essencial, pois permite que a criança adquira um maior controlo da sua alimentação. As regras são negociadas e são muitas vezes determinadas pela própria criança.
- Criar objectivos
A existência de objectivos bem definidos é sempre essencial para a perda de peso. É muito importante que se explique à criança que não são permitidas metas irrealistas. A perda de peso deve ser lenta e com mudanças suaves no estilo de vida, que se mantêm no futuro. O tratamento da obesidade não implica dietas temporárias, mas sim mudanças permanentes no estilo de vida.
- Auto-Controlo e Auto-Conhecimento
Durante o tratamento da obesidade, os pais devem promover o aumento do auto-controlo, pois a falta de auto-controlo contribui muitas vezes para o insucesso do tratamento da obesidade. Consideramos que a criança obesa consegue aumentar o controlo do seu comportamento alimentar se tiver maior consciência da quantidade de alimentos que ingere e das situações que a levam a comer mais. No início do tratamento, a criança deve registar os alimentos que ingere num diário alimentar.
- Apoio social
O apoio social é uma peça fundamental no tratamento da obesidade. A criança não pode ver-se sozinha na tentativa de perder peso e o apoio dos pais é essencial. Os padrões de comportamento alimentar da família também devem ser modificados. Os pais devem esclarecer com a ajuda dos técnicos de saúde todas as suas dúvidas sobre alimentação saudável. Os exemplos dados à mesa também são muito importantes: para que a criança perceba que a sopa faz bem os pais têm que incluir a sopa na sua própria alimentação. A valorização dos sucessos e os elogios dos pais têm que ser sistematicamente utilizados sempre que a criança cumpre um objectivo. O apoio dos pais também é essencial sempre que a criança falha e não consegue alcançar a meta desejada. O apoio dos amigos e de outras crianças da mesma idade também deve ser estimulado. A criança obesa deve ser ajudada a perceber que também tem direito a fazer amizades, a sair com os amigos e a divertir-se.
- Aumentar a Autonomia
Um dos pontos centrais do tratamento da obesidade é a promoção da autonomia. O obeso deve aprender a encontrar autonomia face à alimentação e face aos outros. Os pais devem estar conscientes para importância da promoção da autonomia no desenvolvimento da criança e também na perda de peso. A promoção da autonomia permite ajudar a criança a perceber que a perda de peso depende de si e da sua motivação, e não de aspectos exteriores.
- Auto-Estima e Cuidados com a Imagem
As crianças obesas têm habitualmente dificuldades em lidar com o seu corpo, pois têm uma auto-estima muito baixa. A auto-estima da criança deve ser recuperada, mesmo antes que se inicie a perda de peso. As habilidades destes jovens devem ser reforçadas, como a pintura, a escrita, o humor, o teatro, etc. Os cuidados com o corpo, assim como as mudanças de visual e a escolha de roupa nova também devem ser estimulados.
- Estratégias para a Resolução de Problemas
Muitos obesos utilizam a comida para se sentirem menos deprimidos ou menos ansiosos. A comida permite o esquecimento das dificuldades. Os pais devem procurar conversar com a criança e a ajudá-la a ter consciência dos seus problemas, a conversar sobre eles e a enfrentá-los, ajudando-a a encontrar estratégias para a sua resolução que não passem pelo evitamento e pelo refúgio na comida.
- Conhecimento e Afirmação de Si
A criança não deve ser reprimida e deve ser estimulada desde cedo a exprimir sentimentos como a zanga, a ansiedade, a frustração, a tristeza e a alegria. Deve ser ajudada a falar sobre a sua personalidade e a admitir que não tem só defeitos, mas também qualidades. A criança deve aprender a enfrentar os conflitos e a afirmação de si passa também pela assertividade. A criança deve aprender que pode dizer “não” e que pode ter uma opinião discordante da maioria sem correr o risco que os outros deixem de gostar dela. A aprendizagem da assertividade envolve também a capacidade de recusar educadamente um alimento num jantar ou numa festa.
* Sónia Pereira é psicóloga clínica e trabalha com crianças em consultórios privados.